Quando Barsabás, o tirano, demandou o reino da
morte, buscou debalde reintegrar-se no grande palácio
que lhe servira de residência.
A viúva, alegando infinita mágoa, desfizera-se da
moradia, vendendo-Ihe os adornos.
Viu ele, então, baixelas e candelabros, telas e
jarrões, tapetes e perfumes, jóias e relíquias, sob o
martelo do leiloeiro, enquanto os filhos querelavam no
tribunal, disputando a melhor parte da herança.
Ninguém lhe lembrava o nome, desde que não fosse
para reclamar o ouro e a prata que doara a mordomos
distintos.
E porque na memória de semelhantes amigos ele não
passava, agora, de sombra, tentou o interesse afetivo de
companheiros outros da infância...
Todavia, entre eles encontrou simplesmente a
recordação dos próprios atos de malquerença e de usura.
Barsabás, entregou-se as lágrimas de tal modo,
que a sombra lhe embargou, por fim, a visão,
arrojando-o nas trevas.
Vagueou por muito tempo no nevoeiro, entre vozes
acusadoras, até que um dia aprendeu a pedir na oração, e,
como se a rogativa lhe servisse de bússola, embora
caminhasse às escuras, eis que, de súbito, se lhe extingue a
cegueira e ele vê, diante de seus passos, um santuário
sublime, faiscante de luzes.
Milhões de estrelas e pétalas fulgurantes
povoavam-no em todas as direções.
Barsabás, sem perceber, alcançara a Casa das
Preces de Louvor, nas faixas inferiores do firmamento.
Não obstante deslumbrado, chorou, impulsivo, ante
o Ministro espiritual que velava no pórtico.
Após ouvi-lo, generoso, o funcionário angélico
falou sereno:
- Barsabás, cada fragmento luminoso que
contemplas é uma prece de gratidão que subiu da Terra ...
- Ai de mim - soluçou o desventurado - eu jamais
fiz o bem...
- Em verdade - prosseguiu a informante -, trazes
contigo, em grandes sinais, a pranto e a sangue dos
doentes e das viúvas, dos velhinhos e órfãos indefesos
que despojaste, nos teus dias de invigilância e de
crueldade; entretanto, tens aqui, em teu crédito, uma oração
de louvor...
E apontou-lhe acanhada estrela, que brilhava a
feição de pequenino disco solar.
- Há trinta e dois anos - disse, ainda, o
instrutor -, deste um pão a uma criança e essa criança te
agradeceu, em prece ao Senhor da Vida.
Chorando de alegria e consultando velhas
lembranças, Barsabás perguntou:
- Jonakim, o enjeitado?
- Sim, ele mesmo - confirmou a missionário
divino. - Segue a claridade do pão que deste, um dia, por
amor, e livrar-te-ás, em definitivo, do sofrimento nas
trevas.
E Barsabás acompanhou a tênue raio do tênue
fulgor que se desprendia daquela gota estelar, mas, em
vez de elevar-se as Alturas, encontrou-se numa
carpintaria humilde da própria Terra.
Um homem calejado aí refletia, manobrando a enxó
em pesado lenho...
Era Jonakim, aos quarenta de idade.
Coma se estivessem as dois identificados no doce
fio de luz, Barsabás abraçou-se a ele, qual viajante
abatido, de volta ao calor do lar... (...)
Decorrido um ano, Jonakim, a carpinteiro,
ostentava, sorridente, nos braços, mais um filhinho, cujos
louros cabelos emolduravam belos olhos azuis.
Com a benção de um pão dado a um menino triste,
por espírito de amor puro, conquistara Barsabás, nas
Leis Eternas, o prêmio de renascer para redimir-se.